E o amor nasceu...
O riso fácil encontrava-se sempre à boca, as mãos
estremeciam e gelavam pelo simples mencionar do nome amado, a respiração ofegante era companheira em
todos os encontros, os sonhos sempre compartilhados, se faziam azul e rosa, os
olhos espargiam centelhas de alegria e vigor, a alma experimentava de tanta
harmonia que se sentia flutuar...
Mas o tempo, traiçoeiro e sutil, transformou tudo num ritmo constante e implacável, quase
imperceptível. O tempo que trouxe segurança foi o mesmo que trouxe acomodação.
O tempo que fundiu as almas foi o mesmo que destruiu a individualidade. O tempo que alimentou o amor foi o mesmo que matou a
paixão. O tempo que trouxe confiança foi
o mesmo que fomentou o orgulho. O tempo que inspirou lembranças foi o
mesmo que lançou a névoa do esquecimento.
E o amor adoeceu...
Quem era mais doce continuou amando, quem era mais torpe
continuou aprisionando. Quem era mais inocente continuou confiando, quem era
mais malicioso seguiu enganando. Quem era mais nobre continuou se dedicando,
quem era mais dominador seguiu manipulando. Quem era da paz vendeu sua
liberdade para evitar a guerra, quem era da guerra aprisionou com falsas
promessas de paz.
Quem era prisioneiro, viu o amor se esvair em agonia lenta e
mortal, deixando um vácuo onde se alojou
o desejo indomável por liberdade e vida... E quem estava por sobre o seu
pedestal de orgulho e empáfia, tanto ocupava-se em exaltar o seu patético
poder, que nem se apercebeu ou não acreditou quando o domínio se desfez, quando
o amor, já morto, não mais respondeu aos seus chamados, quando o seu grito não
mais provocou temor, nem imobilizou, quando os seus apelos emocionais não
convenceram mais o coração, nem os olhos que não eram mais seus, sequer lhe
enxergavam.
E o amor morreu...
A música que aquele coração tocava já não era a mesma que o
outro podia dançar. As palavras que aquela boca dizia já não eram aquelas que o
outro queria escutar. Os passos daqueles pés já não eram os mesmos que o outro
podia alcançar. O fogo que antes alimentava a paixão, agora incineravam os
restos mortais daquele amor que morrera de fome e exaustão.
Mas, a morte do amor doente foi a alforria de um coração que
assim conheceu as cores, os sabores e as músicas da vida e, como se fosse pela
primeira vez, olhou para si e se viu, se enxergou, se reconheceu, se amou e
finalmente renasceu em si.
Nenhum comentário:
Postar um comentário